sábado, 25 de abril de 2009

Memórias nubladas

No dia 25 de Abril eu era demasiado pequena… Foi só um dia em que não pude ir à escola. Em que não pude estrear o vestidito novo. Em que alguns – poucos - tanques passavam na rua em frente, mas que eu não pude ver de perto, porque era perigoso…

Depois desse dia – e durante muitos anos - senti apenas a aflição da minha mãe - mulher “de direita” - e a tranquilidade do meu pai – homem “de esquerda”. Senti apenas a felicidade de alguns e a indignação de outros. Senti apenas que, de repente, tudo me parecia muito mais confuso… mas muito maior.
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Inundavam-me as paredes de mil e uma palavras que eu não compreendia, nem no conteúdo nem na motivação (e porque é que pintavam as paredes de todas as casas?).
Ouvia tocar por todo o lado canções novas, que logo se tornaram velhas de tanto as ouvir. De gaivotas, andorinhas e “comem-tudo”. E eu alegremente cantava, apenas porque sempre gostei de cantar.
Enchiam-me os bolsos de mil e um panfletos, autocolantes e cromos, com símbolos e caras, que me divertia a coleccionar (e que – já com alma de coleccionadora – até hoje guardei).
-Hoje já compreendo porque muitos se sentiram melhor a partir desse dia. Da mesma forma que compreendo porque muitos se sentiram muito mais tristes.
Porque é que o meu pai me disse que foi um mundo que começou. Porque é que a minha mãe me disse que foi um mundo que acabou. E assim ficaram até hoje.
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E a sensação de grande confusão que me ficou do Portugal desses dias… deu lugar a um sentimento de um Portugal vazio. De uma grande monotonia.

Tantos lutaram pela liberdade… O que ficou?
O cravo perdeu o vermelho vivo. Agora é mais a preto e branco.
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